quarta-feira, 23 de abril de 2014

Estado pagou 35 milhões a colégios acusados de irregularidades


















Privados. Cinco colégios visados numa queixa-crime apresentada pela Fenprof receberam 14 milhões de financiamento estatal em 2013. E o grupo GPS, a ser investigado por corrupção, embolsou 20,8 milhões. Desrespeito às leis laborais e pressões sobre os professores são foco de polémica no Externato Capitão Santiago Carvalho, no Fundão.

"Indícios fortes de peculato, utilização indevida de dinheiros públicos, abuso de poder e participação em negócio ilícito" no financiamento a colégios privados levaram a Federação Nacional de Professores (Fenprof) - nas palavras do seu secretário-geral, Mário Nogueira - a apresentar uma queixa-crime na Procuradoria-Geral da República em fevereiro. Antes, já o grupo GPS estava a ser investigado por suspeitas de corrupção e enriquecimento ilícito. Ao todo, entre o grupo com sede em Pombal e as escolas que, ao que o DN apurou, são visadas na denúncia do sindicato, estão estabelecimentos que receberam quase 35 milhões de euros, do Estado, no ano passado.
O DN sabe que a queixa-crime da Fenprof tanto versa colégios que têm turmas comparticipadas - apesar de funcionarem em zonas em que a oferta da escola pública seria suficiente para cobrir essas necessidades - como outros que são acusados de desrespeito às leis laborais e pressões sobre o corpo docente. Entre os primeiros casos, ao que foi possível apurar, estarão entidades como o Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas, concelho de Santa Maria da Feira (recebeu 6,7 milhões de euros de financiamento em 2013) e o Colégio Internato dos Carvalhos, de Gaia (obteve cerca de cem mil euros no ano passado). Entre os segundos, com base em acusações de docentes, serão visados estabelecimentos como a Escola Salesiana de Manique, de Cascais (embolsou 5,3 milhões de euros em 2013), o Externato Capitão Santiago Carvalho, de Alpedrinha, Fundão (ganhou 1,2 milhões) e o Externato de Nossa Senhora dos Remédios, de Tortosendo, Covilhã (recebeu 730 mil euros).
A estes colégios, que receberam 14 milhões de euros em 2013, segundo a lista de subvenções divulgada pela Direção-Geral da Administração Escolar, junta-se o grupo GPS. Tal como o DN já noticiara, onze dos 25 estabelecimentos de ensino do grupo - que está a ser investigado por suspeitas de corrupção e enriquecimento ilícito e foi alvo de buscas da Polícia Judiciária em janeiro - tiveram financiamento estatal em 2013, num total acumulado de 20,8 milhões de euros.
Quanto à queixa-crime entregue na PGR, Mário Nogueira não entra em pormenores, mas revela que estão em causa "diversas situações de má utilização de dinheiros públicos", denunciadas com base em relatos que chegaram à Fenprof. "A queixa que fizemos é com casos concretos e com indícios fortes. Há casos de gestão não muito católica dos dinheiros públicos, de não cumprimento no que toca a salários, à carreira docente e ao que está estabelecido no contrato coletivo de trabalho", admite.
Entre a prova testemunhal entregue com a queixa estão uma reportagem televisiva da TVI e o estudo sobre a reorganização da rede do ensino particular e cooperativo com contrato de associação (realizado pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sob a coordenação de António Rochette). Essas foram duas das maiores fontes de polémicas envolvendo os colégios privados nos últimos anos, por denunciarem irregularidades financeiras, casos de abusos de poder e coação de professores e exemplos de regiões onde a oferta da escola pública chegaria, em tese, para não ser necessário recorrer ao financiamento de colégios através de contratos de associação.
Entre os casos de "desregulação laboral", Maria da Cruz Marques, responsável distrital do Sindicato dos Professores da Zona Centro, em Castelo Branco, denuncia o do Externato Capitão Santiago Carvalho. "A direção quis alterar os tempos letivos, desrespeitando o contrato coletivo de trabalho e levando a que os professores tenham de trabalhar muito mais minutos para receberem o equivalente a um horário completo. É um cenário de insultos, pressões e intimidações que se tem agravado nos últimos tempos e que até os faz terem receio de falar. Os que se insurgem são alvos a abater", descreve.
Porém, o diretor pedagógico da Escola de Alpedrinha, António Santiago, desmente tal ambiente. "O Externato sempre se regeu no estrito cumprimento da lei e nunca teve qualquer acusação. Alguns professores vieram falar comigo e disse-lhes que caso não concordassem [com as condições laborais] fizessem o favor de ir para tribunal. Nunca o fizeram porque não estão dispostos a ouvir a resposta. Batem-se por direitos que não existem", aponta, admitindo um alto nível de exigência para com os docentes: "O que se pretende é um serviço de excelência, mas há pessoas que não estão dispostas a cumprir metas e objetivos."
Neste caso, o conflito laboral já levou mesmo a que a Inspeção-Geral de Educação fizesse uma auditoria à escola, não sendo ainda conhecidos os resultados da ação inspetiva. E Maria da Cruz Marques admite que os professores estão a estudar apresentar uma queixa no Ministério Público "por causa do assédio moral e do tratamento diferenciado que lhes tem sido imposto".
Nos outros colégios não há professores dispostos a dar a cara pelas acusações - só há uma fonte do corpo docente da Escola Salesiana de Manique que desdramatiza a situação no estabelecimento, embora admita trabalhar "horas suplementares, que não são pagas". O diretor da Escola Salesiana, padre David Bernardo, diz desconhecer "por completo qualquer ação" instaurada contra o colégio. Já o Externato de Nossa Senhora dos Remédios e o Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas não responderam em tempo útil ao pedido de reações remetido pelo DN.
E quanto à ideia de que o Colégio Internato dos Carvalhos fica com turmas que são "desviadas" das escolas públicas vizinhas, o diretor pedagógico do estabelecimento gaiense, Joaquim Cavadas, rejeita qualquer logro. "O que prestamos é serviço público. O colégio já é centenário, enquanto a escola pública só surgiu aqui há 30 ou 40 anos. Não vejo onde esteja a irregularidade", aponta.
Perante estas polémicas, o diretor executivo da Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo, Rodrigo Queiroz e Melo, prefere não reagir: "Não conheço a situação, não vou comentar." Mas Mário Nogueira não desarma: "Nos colégios sem contrato de associação, curiosamente, não há tanto desrespeito da lei. Parece que os mais inimigos do Estado são os que mais querem viver à conta dele."

Retirado de: Diário de Noticias
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